E AGORA, JOAQUIM?
Desde que o Ministro Joaquim Barbosa começou a despontar no julgamento do mensalão como o novo herói nacional, desconfiei que o final da história não seria tão apoteótico quanto previam a Veja e Cia. Ltda. E acertei.
Hoje de manhã, na Band News FM, o jornalista Ricardo Boechat, ao ser informado por Mônica Bérgamo que o ex-deputado Roberto Jefferson deve ter sua pena bastante atenuada por haver delatado o esquema e assumido sua culpa nele (embora – e ainda dizem que o crime não compensa – ninguém saiba onde estão os R$4 milhões que ele assumiu ter embolsado), manifestou-se com irritada indignação acerca da quase completa ausência da aplicação de efetiva prisão aos condenados na Ação Penal 470.
E ele tem razão: dos 25 réus no processo, ao menos 9, neste momento, têm direito ao cumprimento da pena em regime semi-aberto ou aberto, pois foram condenados a penas inferiores a oito anos (artigo 33, §2º, alinea “a”, do Código Penal); e outros 3, condenados a 8 anos e uns quebrados, têm grandes chances de aumentar aquele número para 12, haja vista que o próprio STF afirmou que as penas seriam revistas ao final do julgamento para evitar incongruências.
Some-se a isso que no Brasil, na prática, não existem colônias para cumprimento de pena em regime semi-aberto (o que garante aos condenados o direito de cumprir suas penas em regime aberto, pois não poderiam ter sua situação agravada por incompetência do Estado) e conclui-se que, mesmo antes da análise de qualquer recurso, metade dos condenados pelo Mensalão não chegarão nem perto de uma cela! Isso considerando que o STF não vai acatar recursos contra sua própria decisão (embora no Brasil tudo seja possível), porque, se o fizer, a proporção de condenados soltos será maior do que a de presos.
Sem adentrar à questão sobre a adequação do nosso septuagenário Código Penal, o que sempre me chamou a atenção foi a forma como a mídia brasileira, cujos matizes, em geral, variam entre o bege claro e o marrom escuro, conduziu e divulgou o julgamento do mensalão e, em especial, a conduta do Ministro Joaquim Barbosa.
Não há nenhuma dúvida de que o Ministro seja uma pessoa dotada de grande inteligência, um incansável defensor do direito e um luminar da doutrina brasileira; nem tampouco se pode querer macular sua origem, suas conquistas e vitórias pessoais.
No entanto, especifcamente, em relação à sua atuação no julgamento da Ação Penal 470, convenhamos, não era para tanto.
Primeiramente, o destempero de Sua Exa. não condiz com a posição de um Juiz da mais alta corte do País: ele não pode dizer a outro Ministro, como disse, “julgue como quiser, mas julgue certo”, também não poderia jamais insinuar a imoralidade de seus pares, como se ele, nas palavras do Ministro Marco Aurélio, fosse o único “vestal” e, tampouco, poderia rir, com ar de deboche, do pedido de um advogado, que na defesa de seu cliente tem o direito de pedir o que quiser e ter o seu pedido aceito ou negado com respeito, em qualquer hipótese.
Contudo, não bastassem as vicissitudes e idiossincasias de Sua. Exa., muito relacionadas à sua nítida vaidade, a verdade é que a mídia brasileira criou um novo salvador da Pátria, algo historicamente tão ao gosto da América Latina. Fez do Ministro Barbosa alguém acima do bem e do mal, um Capitão Nascimento de toga, a ponto de circularem pelas redes sociais manifestações de apoio a uma eventual candidatura do Ministro à Presidência da República.
A biografia de Joaquim Barbosa foi capa da Veja, com a manchete “o menino pobre que mudou o Brasil” (alusão pueril ao ex-presidente Lula). Ora, com todo respeito, mas o Ministro não mudou o Brasil. Ele apenas cumpriu sua obrigação constitucional de julgar conforme sua consciência e sua interpretação da prova dos autos, tendo sido escolhido por sorteio para relatar o processo. Nada mais.
Ainda que o atual inimigo número um dos brasileiros, o Ministro Ricardo Lewandowski, tivesse sido o relator, o Ministro Joaquim poderia ter votado como votou e seus pares o poderiam acompanhar, fazendo o relator voto-vencido. O fato de ser o Relator não quer dizer absolutamente nada.
Talvez tenha contribuído, ainda, para lustrar a capa do nosso herói do momento, uma coincidência: ser o Ministro Barbosa o primeiro na “linha de sucessão” à Presidência do STF.
O que a mídia não relata com a nitidez que deveria é que Joaquim Barbosa não foi eleito Presidente do Supremo porque seja melhor do que os demais Ministros, mas, porque, por uma tradição (e Deus sabe como o Judiciário é chegado numa tradição) o Presidente do Supremo sempre será aquele que (i) tiver mais tempo de casa ao final do mandato do Presidente (seja pelo decurso do prazo de 2 anos, seja em razão da aposentadoria compulsória) e (ii) que ainda não tenha ocupado esse cargo (por exemplo, o Ministro Marco Aurélio tem muito mais tempo de STF do que Joaquim Barbosa, mas já foi presidente e, ao final de seu mandato, foi para o fim da fila).
E agora que a mídia criou esse super-homem brasileiro, o que dizer às pessoas quando a maior parte dos mensaleiros forem tirar férias nas Bahamas? Como pretender que alguém ainda creia no Poder Judiciário, se nem mesmo o todo-poderoso Ministro foi capaz de colocar os corruptos atrás das grades?
E agora, quem poderá nos defender?
E agora, Joaquim?